1 de out. de 2003

Quando a saúde pede um tempo








Reportagem publicada na revista Você S/A, editora Abril, de outubro de 2003 (capa abaixo).






Saiba como lidar com o afastamento do trabalho - do ponto de vista legal e pessoal

 


O tombo que o paulistano Ricardo Miadaira, de 28 anos, levou durante uma partida de futebol foi tão à-toa que todo mundo pensou que não tivesse acontecido nada. Aconteceu: na queda, ele fraturou a tíbia, o osso da canela. Um azar, principalmente se você levar em conta que Miadaira é professor de educação física. Na época, isso aconteceu há cinco meses, ele ficou com medo de ter comprometido irreversivelmente uma de suas “ferramentas de trabalho”, mas tinha também outra dor de cabeça. Precisaria viver com o auxílio-doença do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). “Eu já tinha ouvido falar que o valor do benefício era baixo”, diz.

A legislação trabalhista determina que a partir do 16o dia de afastamento o profissional comece a receber pelo INSS — caso de Miadaira, que se ausentou por dois meses. O auxílio-doença só é pago quando o profissional estiver impossibilitado de exercer suas funções. Não é o caso, por exemplo, de doenças crônicas, como a diabetes, que, fora dos períodos de crise, permite que se leve uma vida normal. Segundo dados da Previdência Social, em julho deste ano mais de 1 milhão de pessoas receberam auxílio-doença. Outras 100 000 estavam de licença por causa de acidentes ocorridos durante o trabalho ou no trajeto entre sua casa e a empresa. Nos últimos cinco anos, os campeões de pedidos de auxílio-doença no país foram convalescença, com 23% dos requerimentos, e dores nas costas, com 20,4%. Já na categoria auxílio-doença acidentário 23,7% dos pedidos se relacionavam a fraturas da mão e do punho.

Problema no bolso

Em junho deste ano a Previdência Social recebeu 300 000 pedidos de auxílio-doença. Desses, mais da metade foi negada. “Para evitar fraudes, a perícia médica é muito rigorosa”, diz Benedito Brunca, diretor de benefício do INSS. A volta ao trabalho também é determinada pelo INSS. Em casos graves, o profissional é encaminhado para a aposentaria por invalidez. Apesar do pente-fino que elimina boa parte dos pedidos, são destinados mensalmente quase 600 milhões de reais para arcar com esse benefício. Parece muito, mas hoje nenhum profissional afastado recebe mais que 1 869,34 reais por mês. Ou seja, muita gente tem de se desdobrar para fazer as despesas (inclusive o gasto extra com remédios) caber no novo salário. O valor do auxílio-doença de Miadaira, por exemplo, era 35% menor do que seus vencimentos nas duas escolas em que trabalha. 

Sem contar que o professor de educação física só começou a receber o dinheiro quase dois meses depois de ter dado entrada nos documentos, ou seja, ficou sem receber nada no período em que esteve de repouso. “Não estava preparado financeiramente para esse baque”, diz ele. O prazo legal para o pagamento do auxílio-doença é de 45 dias corridos, mas, de acordo com Brunca, a maioria é concedida antes. No final das contas, é preciso lidar com a redução de salário e, provavelmente, com uma certa demora para conseguir o benefício.

Por iniciativa própria algumas empresas complementam o auxílio-doença pagando a diferença ao funcionário para que não perca renda. É o caso do laboratório farmacêutico Schering-Plough, com sede no Rio de Janeiro, que está na edição 2003 do Guia EXAME — As Melhores Empresas para Você Trabalhar. “Essa complementação de salário vale para todos os colaboradores”, diz Alberto Gerhardt, gerente de RH. Também há casos em que a organização complementa o auxílio-doença por causa de negociações sindicais. “Fechado o acordo, a empresa é obrigada a seguir o que foi determinado”, diz Myoko Kimura, sócia do escritório de advocacia Tozzini & Freire, de São Paulo.

Início complicado

O banco em que trabalhava a paulistana Teresa Vieira Gama, de 47 anos, se enquadrava nessa categoria. Era 1992 e Teresa acabara de ser contratada. Entusiasmada com o novo emprego, não seguiu as recomendações médicas para se recuperar de uma cirurgia que fizera na hipófise, glândula que fica na parte interna do cérebro. “Assim que recebi alta, o médico pediu que consultasse um otorrinolaringologista, já que a operação foi feita pela boca”, lembra Teresa. Como tudo estava aparentemente bem, ela adiou a ida ao especialista. Cerca de três meses depois que entrou no banco, Teresa contraiu consecutivamente duas meningites e foi para a mesa de operação de novo. Dessa vez, a intervenção foi mais séria, com direito a enxertos para recompor a área afetada e necessidade de repouso absoluto. Por causa do acordo sindical, Teresa não ficou em maus lençóis durante a licença. 

Muitas vezes é a empresa que fica numa situação delicada. A ausência de um funcionário desequilibra a equipe. É preciso cobrir a ausência com uma contratação ou esperar que o licenciado volte. Durante esse período, o chefe não pode nem deve esquecer um funcionário afastado. “É preciso ligar, fazer uma visita, acompanhar o caso”, diz João Batista Brillo de Carvalho, professor de comportamento, estratégia e teoria organizacional do Ibmec. Carvalho também recomenda que, se possível, quem está fora acompanhe o que está acontecendo na empresa. “A gente telefona, envia os jornais internos para a casa do colaborador, convida para as festas de fim de ano”, diz Selma Regina Furlan, assistente social da Elevadores Atlas e Schindler. “Com isso, quando ele vem aqui para consultar o médico, se sente à vontade para visitar os amigos e colegas.” 

No Grupo Pão de Açúcar, outra empresa que aparece na lista das melhores para trabalhar no país, o afastamento de algum funcionário é driblado com o que eles chamam de política do segundo homem. “Faz parte da nossa cultura preparar um sucessor temporário ou definitivo para todos os cargos”, diz Fernando Solleiro, diretor de administração de recursos humanos do grupo. 

Amargo regresso?

Superado o problema de saúde, o profissional tem de enfrentar outra situação difícil. Salvo o caso de auxílio-doença acidentário, que garante estabilidade de um ano, e o auxílio-doença de algumas categorias profissionais, que assegura o emprego por até seis meses, a demissão pode estar esperando o funcionário na volta. Por isso, o retorno ao trabalho costuma ser sempre motivo de grande preocupação. “Não faça julgamentos, principalmente se você foi substituído durante sua ausência. Primeiro, veja em que terreno está pisando e, se sentir que perdeu espaço, parta para a negociação”, diz Carvalho. Não coloque tudo a perder com atitudes impensadas. Um novo projeto foi implantado e você está meio por fora do assunto? Agende cursos e treinamentos. Informe-se sobre tudo o que aconteceu durante o período em que esteve fora. Miadaira ficou surpreso com as demonstrações de solidariedade que recebeu quando voltou a trabalhar. “Até quem eu não conhecia veio saber como eu estava e saúde”, conta. Teresa também teve a mesma sorte e se lembra de ter sido muito bem recebida (ela também ficou dois meses de “molho”). “Depois daquilo, nunca mais descuidei da minha saúde”, diz. Hoje, 11 anos depois, ela está totalmente recuperada e esbanjando disposição numa consultoria de recursos humanos, em São Paulo. 

 


Como pedir o auxílio-doença

 


Ao ser informado pelo médico que terá de se afastar do trabalho, avise seu chefe imediatamente. Geralmente o departamento de recursos humanos se encarrega da parte burocrática. Enquanto estiver recebendo o auxílio-doença, o segurado não pode ser demitido. Ao retomar suas atividades, porém, isso pode acontecer — a menos que tenha sido um caso de acidente. 

Se o INSS negar o pedido de licença, o retorno ao trabalho deve ser imediato. Caso contrário, pode haver uma demissão por justa causa. O auxílio-doença também é garantido aos trabalhadores autônomos e para quem está desempregado. 

Para obter mais informações, entre no site www.previdenciasocial. gov.br ou ligue para o Prevfone no tel. 0800 780191.




Publicação: 

Você S.A.

Data: 

01/10/2003

Edição: 

64

Página(s): 

60-62

Seção: 

Você em Equilíbrio

Resumo: 

Saiba como pedir o auxílio-doença - do ponto de vista legal e pessoal.

Assunto Principal: 

AFASTAMENTO DO TRABALHO

Chamada de Capa: 


Palavra-chave: 

TRABALHO; AUXÍLIO-DOENÇA; SAÚDE; LEGISLAÇÃO TRABALHISTA; FUNCIONÁRIO; DINHEIRO; 

Autor: 

Juliana Tourrucôo

Colaborador: